11:11 PM

A garrafa, uns cacos e a criação

A garrafa, uns cacos e a criação


Andei pisando nuns cacos.

Vitrais da Sé. Diz-se Santa?

É certo que cortou,

pintei a abóbada. Vermelho.

Juntei meu sangue aos dos ex-comungados.


Andei por todos os cantos,

num deles achei uma garrafa.

Que sede. Tomei a desgraça de cola.

Colei no teto o céu. Um azul transparente,

para os humanóides verem o céu.

Um holograma perfeito.


Fui do outro lado,

o avesso até que é bom. Prefiro o infinito.

Andava, comecei a correr.

Mas corria num mundo sem fim.

Findou-se o mar de ilusões. Os trópicos aglutinaram-se.


Juntei um punhado de papéis.

Misturei aos cacos, à cola e ao meu sangue.

Fiz o que esperavam. Um centro burrocrático.

A graciosa luminescência, aquele ponto pálido no céu,

curvou-se tamanha era a desonra.


Peguei a carteira, chamei o mendigo.

Viu? - papel.

Cheirou? - esterco.

Quer? - corre!

Ele caiu no primeiro passo. A burrocracia.

Todos querem o que é defecado. É verde e saboroso,

dizem por ai.


Quando foi que esqueceram o ser humano?

Vou descansar, afinal

hoje é o sétimo dia de labor.

11:09 PM

Visionário do século

Visionário do século


Meu caro, o mundo.

Meu barato, a loucura.

Minha testa é rugosa.

Leve, só a estátua de Zeus,

esta flutua no esgoto.


Um cego, todos.

Todos, o desepero.

Na ruga da minha testa, um bicho.

Um homem escalando desde as profundezas

das glândulas divinamente minhas.


Espremi. Saiu o sebo ejetando aquele ser.

Era eu mesmo perdido.

Ah, se todos vissem através do espelho,

a cegueira que cheguei.


Arranquei meus olhos,

agora posso ver.


11:07 PM

O Sujeito Morreu Na Reta

O Sujeito Morreu Na Reta


Sou o pon-to

de uma

r

e

t

e


Sou eu em-dividuo

uma re-ta que me é


um com-junto

de pon-tos

faz da re-ta

me ser

pon-to ad-junto a pon-to


sou pon-tos

sou re-ta

sou re-to

não curv-o

em-curva o pon-to

é mais uma

r

e

t

a


sou pon-to

sou re-ta

sou curva


não sou


nós somos

eu, vocês e

os pon-tos outros


Morre-r sujeito-s

esta-mos na re-ta

nasci-dos dos pon-tos.

11:04 PM

Me consumindo


Me consumindo


Sou indivíduo-ação

Pego meu controle remoto,

ligo o televisor, não funciona.


Ligo meu computador ultrapassado

comprado há 3 meses,

acesso a internet, que dor.


O modem não disca.

Meu celular, sem bateria.

Uso o telefone não pago.

Não toca, não disca.

Ligo meu rádio, sem sintonia.


Arrumo a antena, sem emissora.

Abro a porta sem fechadura, não abre.

Olho a janela, quebrada.


Me jogo na rua. Que rua?

Vejo o trem, sem rodas.

Vejo alguém, ninguém.

Sou indivíduo-ação.


Olho o céu, sem Sol.

Quero beber, não há cachaça.

Quero sair, estou preso

em mim.


Estou preso. O mundo se foi,

não tenho tecnologia.

Não vejo, a cegueira toma conta.

A conta chega, devo pagar. Não trabalho.

Meu trabalho é desvendar. Eu vendo.

Niguém quer comprar.


Meu espelho quebrado.

Sumiram com meu rosto.

Sou sujeito.

Estou sujeito à sujeira,

o pó que me faz. O pó.


Virei fumaça.


A internet é Brodband.

O rádio é Home Theater.

O televisor é High End.

O celular é Hand held.

No meu mundo “Just do it” lidera,

eu consumo, eu faço, eu como fast-food.

Eu não indivíduo, divido, duvido

Quem sabe? Quem compra!

11:03 PM

A experiência da cegueira

A experiência da cegueira


É noite de fria e gélida opalescência – nada.

Caminhamos sem ver – cegos.


Estamos todos à espera de nada,

Queremos construir algo.

As minhas identidades se confundem com outras.

Onde estou? - não diga.

Não vês? - a cegueira.


Escorres caótico o poder,

Inebrias nós navegantes, sujeitos bélicos – a tormenta.

Atordoas nossas mentes – vorazes.


Estamos cegos, não enxergamos o saber,

desvendamos, vendamos e fazemos – obscurece.


É noite, pesar de uma morte – o efêmero.

Onde? Quando? Sumiste com nossas almas!

Se temos? Me respondas, ordeno-te – causa.

Eu quero, senhor da razão, tua propriedade.


Destino, é noite.

Ordeno-te! Pois sou cego.

Quero musicalidade, a transformação da voz

Por quê?


-É o destino homem-deus, sofra.


Noite, me digas somente a causa.

Serei pois causalidade, tomo dialógico o viver.

E nos digo, à todos os meus eus:

-Fiquemos assim, pois teremos algo a saber. Nosso prazer

descansa no saber enquanto ele nos promete.


Da cegueira faremos a luz,

da luz faremos o dia,

do dia feremos o viver,

do viver farei eu a mim mesmo,

quando me encontrar perdido na noite

de fria e gélida opalescência.



10:53 PM

Dê palhaços para palhaços

Dê palhaços para palhaços


Este País é um circo.

Temos palhaços,

temos platéia?- Temos, sim senhor.

Somos alienados,

fomos consumidos?- Fomos, sim senhor.

E viva o Pós-modernismo.


Mas não somos platéia e

não vemos -literamente- os politizados.

Somos nós os palhaços.

Queremos pão e circo.

Subimos ao palco,

damos cambalhotas e

fazemos danças bizarras.

Enquanto isso a platéia politizada,

do legislativo ao executivo,

executando a democracia.

E viva o Pós-modernismo.


O Brasil é do brasileiro?

Não, o Brasil é o brasileiro.

A brasilidade está nas ruas e

nas favelas,

a aquarela do Brasil.

O verde intoxica as multidões.

O amarelho, febril.

O azul, depreciado.

O branco anuncia:

- Ordem e Progresso no circo, lá vem os palhaços positivistas, .

Dê o pão! O povo quer ser circo.

Viva o Pós-modernismo, seja brasileiro.


Queremos palhaços,

queremos espaço,

queremos palhaçar.

Sobre as pontes cuspimos

para a platéia rir.

Dos prédios saltamos,

e a pseudo-democracia

no cadafalso à espera.

E viva o Pós-modernismo


Do que ri?- Do Brasil.

Pois continue, no Brasil

tudo é possivel.

Veja aquele palhaço,

está reclamando do magistrado

mas ele mesmo palhaça o suborno.

E aquela criança inútil?- É brasileira.

Está aprendendo a ser mais um palhaço,

vai dar bastante na vida,

será um palhaço de primeira estirpe.


Mas a platéia é brasileira.

Ah! Então somos todos palhaços.

Vamos encenar o próximo ato,

de palhaço para palhaço.

Quanta palhaçada.

Mas o Brasil é Pós-modernista,

então,

USE CONSUMA VENDA

SEJA

o Brasil.


2:04 PM

O escritor cego - nascimento

A intenção de tudo que será escrito é mostrar o nascimento de um escritor. Ele era como outro qualquer, escrevia coisas. No entanto, este escritor diferencia-se por simplesmente não mais enxergar, veio a cegueira. A cegueira tomou-lhe conta aos 30, quando um ataque pós-modernista de consumo o fez fechar os olhos ao mundo, e ao fazê-lo descobriu que podia então exengar um outro, no qual julgaria aquele que o esqueceu e maltratou, o fez mendigar bits e roubar a si mesmo.

Apresento-lhes J. J. Borges, o escritor cego.


Imagem: Homero