2:37 AM

Prolixa

Prolixa

O que faço agora

quando ela me

-abre-

as pernas?

Ah! mas

corre em seus

jardins

Desfrute a alma

que depenada

não mais

tem

na

da

Sinta a brisa

brisando

o

brio

do brilho

enquanto brincávamos

E depois guarde

-guarde-

o valor de sua conquista

2:33 AM

O espelho

O espelho
-----------------------

Desde a última vez que me vi, no espelho eu não tinha esses pêlos. Não tinha essas rugas. Não tinha esses olhos fundos nas alcovas da minha face. Tampouco esses olhos expressavam a tristeza da realidade.

Desde a última vez que me vi, no espelho eu não usava esses óculos pesados que uso para ver o que me tornei. Não tinha tantas marcas na testa nem esses ombros baixos. Meu olhar não desviava de mim.

Desde a última vez que me vi, no espelho eu não me vi como não me vejo hoje me olhando.

A última vez que me vi foi a primeira que me neguei, por isso não me reconheço nessa imagem desforme e falsa que minha visão, iludida e degenerada, me força encarar.

Desde a última vez que me vi não havia espelho. Não precisava enxergar. Fechava os olhos e sonhava.

Foi, assim, a única vez que me vi quando me enxerguei no mundo fora do espelho: sonhei dentro de mim.

-----------------------------
sobre uma abordagem semiológica

2:29 AM

Personalidade prolixa

Personalidade prolixa

Uma moça escrevia na parede enquanto eu buscava café. Por algum motivo ela não podia me ver. Não sei bem quem era e porque diabos escrevia na parede. -Que significa isso aí?; perguntei ingênuamente esperando uma resposta. Nada dizia e continuava a escrever.

Surgia, pois, uma figura sombria ao lado da entrada, ficava em pé com as pernas se cruzando e mão no queixo, como alguém que analizava algo. Não conseguia distinguir a sua fisionomia, pois permanecia na penumbra.

A moça se chamava Virgínia, vi escrito num papel sobre a mesa. Tinha ombros largos, pele rosada, nariz bem feito mas lhe faltava a fala. Continuava, incessantemente, escrevendo palavras sem nexo a priori. Fiquei arredia com a figura que continuava a me causar calafrios. Enquanto eu olhava pela janela a figura mudava a posição das pernas. Lá fora podia ver muitas pessoas com roupagens brancas, indo e vindo, sobre um fundo verde, onde corria um rio, realçado pelo azul daquele dia sem nuvens.

-Que significa isso aí? Me diga, porquê, ainda, joga as palavras ao léu e na parede?; permanecia calada como se minha presença fosse despresível. Surgia, então, outra figura. Estava sentada no chão, olhava para cima procurando algo, e sequer piscava. Um calafrio subiu em minha espinha.

Bebia meu café, já estava frio, e continuava a andar pela sala. Havia uma cadeira bem à minha frente, senti um enorme desejo de me sentar. Quando o fiz, acabei por derramar todo aquele maldito café sobre minha roupa. O pior de tudo é que hoje estava usando uma branca. De repente outra figura opaca e sarcástica parecia ter entrado em euforia, somente porque derrubei um pouco de café sobre mim. Dei aquele riso de canto da boca, como se concordasse que havia sido engraçado, mas não foi e não entendia porque ria daquela forma. Levantei-me da cadeira, dei dez passos à direita, me aproximando de Virgínia, e dei um soco na parede, enquanto ela escrevia.

-Porque diabos escreve assim? Diga algo? Por acaso é muda? Uma frase, ao menos, diga.; eis que ela me surpreendeu, cessando aquela eternidade de dizer vazio. Parou de escrever, mas com a mão na parede, ainda, soltou uma serena fala. -Apenas observe, o significado do que escrevo está na disposição das palavras, elas são vazias, suas formas dizem tudo. E isso depende a parede, pois ela professa, constrói um mundo e vive assim, de maneira poética.

Senti um vazio. Atirei-me pela janela em direção ao rio que me aceitaria como parte de sua alma, pois também escreve, ao longo de seu curso, todas as histórias que deseja.