O espelho
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Desde a última vez que me vi, no espelho eu não tinha esses pêlos. Não tinha essas rugas. Não tinha esses olhos fundos nas alcovas da minha face. Tampouco esses olhos expressavam a tristeza da realidade.
Desde a última vez que me vi, no espelho eu não usava esses óculos pesados que uso para ver o que me tornei. Não tinha tantas marcas na testa nem esses ombros baixos. Meu olhar não desviava de mim.
Desde a última vez que me vi, no espelho eu não me vi como não me vejo hoje me olhando.
A última vez que me vi foi a primeira que me neguei, por isso não me reconheço nessa imagem desforme e falsa que minha visão, iludida e degenerada, me força encarar.
Desde a última vez que me vi não havia espelho. Não precisava enxergar. Fechava os olhos e sonhava.
Foi, assim, a única vez que me vi quando me enxerguei no mundo fora do espelho: sonhei dentro de mim.
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sobre uma abordagem semiológica
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