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Paixão de Outono IV

Na viagem de 28 dias a alma do poeta/palhaço observou o mundo. Descobriu o pranto e o riso. Que faz do palhaço quando descobre que rir nem sempre é por felicidade, a vida? Mostra que o pranto nem sempre é de tristeza, a vida. Que faz destas pessoas que nunca conhecerão, a vida? Apresenta a alegoria e os mitos distantes, a vida. Quem são as princesas acorrentadas que o poeta sempre busca? A vida.

O poeta quando acorda palhaço sempre busca na sua casa o riso. O palhaço quando acorda poeta sempre busca a esperança. O palhaço quando encontra o poeta, não ri. O poeta quando encontra o palhaço, não espera. O poeta-palhaço ri de sua própria desgraça enquanto o palhaço-poeta espera de sua fortuna. O escritor sempre busca em seu armário lá no fundo esses atores do mundo-circo. Todos constroem o circo no mundo. Ninguém destrói o mundo no circo. O teatro da vida sempre está à espera de seus atores. Entram em cena a alma, o poeta, o palhaço e o escritor. Que faz dessa multiplicidade sentimental, a vida? Encena o papel do pranto, da esperança, do riso e do possível.

Entra em cena a Alma.

ALMA: Que do riso faria eu se apenas sentisse? Que do pranto faria eu se apenas sentisse? Atingi diversos castelos em busca de uma princesa acorrentada. Encontrei desertos castelos de areia molhada. Era o pranto das mulheres que me amaram, mas não pude amar. Era o silencio das conversas que me buscaram, mas não pude ouvir. Eram corações humanos que me sentiam, mas não pude sentir. Eram pássaros que voaram, mas não pude voar. Eram luzes que iluminavam, mas não pude enxergar. Era ela que me esperava, mas não pude buscar.

Sai de cena a Alma.

Entra em cena o poeta.

POETA: Procuro essa tal princesa afortunada. Quem me diz onde está? É que não quero perder o pôr-do-sol. Importa-me sim que me assaltou e levou minha riqueza. Procuro essa tal de princesa. Que desgraça de riso me apresenta? Não acredito em você que com pouco se contenta. Procuro essa tal princesa afortunada. Que se dane em desgraça esta acorrentada. Quando era ladrão o pecado era moral. Quando era homem bom o pecado era mortal. Sou mal, um ser muito vaidoso que assassino corações escrupulosos. Alguém me diga onde está essa vagabunda solitária. Era tão boazinha, virou pó! Ah, que otária. Sentimentos, sentimentos e como lamentos vivem soltos por aí. Não quero saber se viva ou se morta. Quero apenas minha riqueza de volta. Sou hedonista e seu prazer é todo meu. Minha fúria vem dessa torrente de sentimentos e lamentos. A prostituta de todos nós se deu aos marinheiros, aos cavaleiros, aos coveiros, aos mortos, aos tesoureiros, aos tortos, aos cozinheiros, aos tropeiros. Pecai! Pecai de todas as maneiras tu vil princesa escavadeira. Foi num sopro que meu corpo de areia se perdeu na multidão. Encontro-me em cada castelo, mas nunca me completo, pois as correntes estão soltas e repleto de princesas que no mundo me perderam. Procuro essa tal princesa afortunada. Se for de uma nau que andarilhava nesses mares sem fim que eu te encontrarei, não sei. Eu comerei terra até te encontrar. Mas procurem em toda parte essa princesa afortunada. Pura ou degradada. Não me importo desde que seja a princesa afortunada.

Sai de cena o Poeta.

Entra em cena o palhaço.

PALHAÇO: Como diria o bobalhão: "Eu chovo às vezes e é chovo do verbo chover. Pois se chorasse o lenço da princesa secaria minhas lágrimas. Não, eu chovo em forma de rio. Eu rio também. Eu rio durante a chuva de mim muitas palavras e seus afluentes se transformam num mar.". Entrem os leões no picadeiro. O palhaço é um cara cansado gente. Olhem pra mim. Sou engraçado? Minha desgraça alimenta seus risos!? Entrem as árvores. Entrem as borboletas. Entrem os cavaleiros rodopiantes. Entrem todos do mundo da fantasia. Sim, sou palhaço. Num sonho eu caminhava em direção à princesa acorrentada. Toda contente à minha espera. Meus olhos começaram a arder e a imagem da princesa foi ficando embaçada. Quando cheguei ao seu lado cocei meus olhos. Somente correntes. Um vazio. Nenhuma princesa. Meus braços nas correntes. Um livro no chão. E isso tudo é engraçado, pois descobri um mundo de ilusão. Quantos mundos ideais eu criei. Quantas princesas sonhei. Quantas vezes eu dei cambalhotas para o rei da fantasia. Vivi de ilusões. Será que terei que brincar de quebra-cabeças de ilusões? De mundos que construí, de paixões que criei, de pessoas que gostei. Vivo um sentimento inventado? Pois é, que é do homem sem suas ilusões para pelo menos a vida fazer mais sentido? OK, próximo passo: Sinsalabim, que reserva o futuro pra mim? Pare! Prefiro não saber. Ei você aí, eu sei que está lendo, aconteça logo então, poxa! Dou risadas, dou muitas risadas: A vida é engraçada. Mas para que quereria o rumo certo se no caminho errado eu descubro o mundo? Eu te quero porque é de graça e neste estado de graça. Eu quero lhe usar. Sempre como a puta da montanha. Prostituiu-se e personificou todos os: Desejos, desejos, malditos desejos! Goze enquanto eu tomo meu café e leio Drummond. Isso tudo é uma palhaçada.

Sai de cena o Palhaço.

Entra em cena o Escritor.

ESCRITOR: Eu sinto. É Outono. Eu sinto. À moça desaparecida mando pela Lua a mensagem de agradecimento: Eu sinto. Eu sinto porque a vida é sensação, é pensar, é construir, é dar formas, mas eu sinto a vida agindo em mim. Eu disponibilizei meu coração para um mundo de encantos. Eu deixei meu corpo no calor de um toque. Eu sinto porque os olhos; Ah, os olhos. Que sintoma é esse, seus olhos são perfeitos. Não, os olhos! Eu sinto, sim, porque você é de verdade. Eu sinto porque na ilusão descobri a realidade. Ah, eu sinto. Eu sinto porque minha alma é toda encanto. Eu sinto porque sorri. Eu sinto porque a brisa toca meu rosto. Eu sinto porque quero sentir. Eu sinto porque me permito. Eu sinto porque está na minha frente e não está na minha frente. Eu sinto porque desejo. Eu sinto porque sou humano. Eu sinto porque sentir é estar vivo. Eu vivo porque sinto. Eu sinto as minhas mulheres como beldades estonteantes. Eu sinto porque vejo nelas o que realmente são: gloriosas, radiantes, espetaculares e perfeitas, porque minha visão não é limitada. Eu sinto porque sentem que busco a beleza que palpita dentro delas, até suplantar tudo mais. Eu sinto porque não podem evitar o desejo de libertar tal beleza e me envolver nela. Eu sinto porque sinto essa paixão de Outono. Eu sinto porque não sei quando terminará este Outono. Eu sinto porque lhe quero da forma que é. Eu sinto porque quero a luz da primeira estrela, cujo brilho está nos seus olhos, ilumine o coração despedaçado que preencho com a mais bela lembrança da sua infância. Eu sinto porque lhe quero.


D.F.R.