5:49 PM

O Sujeito - Friedrich Romalek

A idéia do conto é a provocação de que somos feitos a partir de uma leitura do outro e somos atualidade enquanto leitura do outro, cessa-se a leitura cessa-se o ser.

-------------------------------------------

O sujeito

Estava lá embaixo, parado, imóvel e estático. Não tinha formas, era incompreensível. Era uma coisa-Homem, um nada vindo-a-ser. Sua forma se confundia com o chão onde prostrava, uma mancha sujando o lugar.
Meus preconceitos me fizeram inventar sua forma. Tinha cabeça, braços, pernas, odorizava um cheiro amadeirado, fétido, era macio, rugoso, áspero, era doce, salgado, ácido e era ele respirando, um som freqüente batucando e sua boca rangendo.
Interpretei o sujeito ali, inventei o Homem, à minha imagem. A minha linguagem emergiu narrando um Homem paradigmático, a ordem fria da minha realidade.
Uma gota d'agua caiu sobre ele, tremulou até sumir sua imagem. Inventei que era eu mesmo o Deus-Homem, que inventa e é inventado. A imagem sumiu, fiquei cego, surdo, sem tato, paladar e olfato. Não existi mais, o significado daquele homem era a interpretação de minha realidade linguística.
Todos os dias me reinvento e invento um mundo onde posso existir em harmonia com outros signos me inventando, trazendo à luz meu ser, uma existência, minha memória.
Sou tudo e nada, eterno vir-a-ser. E se me lê é porque me inventa e passo a ser em sua memória.

Friedrich Romalek