8:48 PM

“En passant”

“En passant”

Noite. Luzes amarelo-avermelhadas. Os prédios engrandecem sobre a presença. O andarilhar noturno no centro da cidade. Ruas vazias, ruas sujas vazias de alma. A mente guiada pela estética medonha dos prédios velhos. Nas janelas o reflexo opaco dos interiores calmos. Alguns homens sombras trafegam dentro protegendo fora. Almas sonâmbulas.

Caminhando distraidamente conforme guia Júpiter no céu. Alguns corpos caídos no chão. Papelões cobrindo restos humanos, dejetos que o dia largou depois da labuta. Não são homens mais. As paredes confundem seus corpos numa dimensão estética de domínio pétreo. As paredes dos velhos prédios. As ruas sujas empalidecidas. Os corpos pobres nus. Distraidamente avançando pelas galerias sombrias. Dejetos.

Um cão corre com um pedaço de carne. A carne putrefata da minha perna chama atenção das moscas. As almas sonâmbulas observam. A melancolia dos corredores apertados. A grandiosidade de um dia que passou deixou à mostra seus restos. Minha cabeleira cresce enquanto os dejetos descansam ali na frente. As paredes opressoras dos prédios. Caminho distraidamente. Os cães.

As janelas enunciam um jogo de xadrez. As peças foram todas levadas pelos viventes. O dia passou num gozo. A noite avança pálida. Os sonâmbulos caminham sobre os prédios à noite. As janelas de Mondrian opacas. Somente cobertores sob as portas dos edifícios. O comércio todo se foi. Os dejetos descansam esquecidos. Caminho distraidamente. Labirinto.
Acendo um cigarro. Vermelho-fogo ofusca minha vista. As ruas em labaredas se me apresenta o Inferno. O centro de prédios velhos. As chamas queimam os dejetos humanos. As lamas esquecidas exclamam na penumbra. Elas gritam seus nomes. Que nomes? O cão caminha com um pedaço de carne. Sobe umas escadas e desaparece. Minha perna putrefata alimenta as moscas. Meus ombros caídos distraidamente. As moscas digerem o pus sobre o fêmur esquerdo. Surgem os ratos.

Impossível caminhar sob ataque. Os passantes fantasmas. O sombrio apaga meu cigarro negro nicotina. Os ratos devoram minha perna putrefata. Sento logo ali. As moscas em bando se lambuzam do sebo sêmen. Reproduzem-se instantaneamente. Os ratos sonâmbulos sombras. Fecho os olhos distraidamente. Deito meus restos sobre o chão gélido. O cão aparece e observa. Cubro-me com o papelão do companheiro dejeto-sombra. As paredes se me confundem. A sujeira se me empalidece. As moscas velam com os ratos sombras pobres, meu horror. Viramos obra de arte. Paralelos a uma dimensão do natural. O teatro.