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Espaço Público. Espaço de Direito

Espaços. Espaços vazios. Espaços cheios. Espaço qualquer preenchido. Espaço qualquer esvaziado. Espaço controlado. Espaço surgido da rugosidade, dos choques entre idéias, espaços das dobras geológicas, desdobramento espacial, esvaziamento espacial, espaço do vazio. Espaço político, espaço cultural, espaço dinâmico, espaço-tempo. Quem controla o espaço?

O cão urina e monta guarda: espaço do cão. O grupo invade a favela e monta guarda: espaço do tráfico. Outro grupo invade outra favela e monta guarda: espaço da milícia. A polícia sobe o morro: leva tiro do traficante; também leva tiro do miliciano. MST invade fazenda: espaço do fazendeiro; polícia mata trabalhadores rurais de Eldorado dos Carajás. Estudantes invadem reitoria: espaço público e espaço da representação acadêmica; levam borrachada e sindicância. Estudantes ocupam reitoria: espaço público e espaço da representação acadêmica; levam borrachada e sindicância de novo. Luiza visita a Pinacoteca do Estado: espaço público; Luiza paga sua entrada! De quem é o espaço?

Luiza entra no curso de Filosofia da Universidade de São Paulo. Sempre gostou de política e foi, inclusive, presidente do grêmio de seu antigo colégio. Não seria de se espantar que ela, ao entrar na universidade, fosse buscar informações sobre o movimento estudantil. Primeiro ela espanta-se com o vazio de idéias do movimento estudantil de seu novo espaço. Depois se espanta com os conflitos internos no espaço do movimento estudantil. Em seguida espanta-se com um debate de seus veteranos: "Espaços estudantis". Dizem a ela que um lugar, um espaço, uma dobra espaço-temporal, um fetiche, um buraco no prédio, um chão com escadas interrompidas por carteiras; um chão verde esburacado chamado "Espaço Verde" é de domínio dos estudantes. Ela pensa: posso fazer o que quiser, então? Que lei estudantil me proibirá de fazer orgias, por exemplo? E se eu quiser morar aqui por um tempo? Semana que vem vou fazer uma balada e pagar meu aluguel com o que arrecadar. Contudo, para sua breve alegria vem outro veterano acompanhado de alguém da Diretoria da Faculdade e diz que aquele espaço não é dos estudantes, mas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, e antes ainda da Universidade de São Paulo e se quiser dizem mais: é do Estado!

Ela fica pensativa: mas se é do Estado, então é público; e se é público, então é meu também! Eu quero dormir no "Espaço Verde"! Eu pago impostos, tenho direitos! Na semana que vem vou chamar meu amigos e fazer uma roda de samba e ganhar algum dinheiro. A USP é pública, quem vai reclamar. Lá tem gente que bebe, que gosta de uma batucada, então, posso vender bebida com o valor um pouco acima do que pagar e com o lucro eu pago meus amigos do samba e se sobrar eu já tenho algum tostão até o fim do mês. Até darei entretenimento, cultura popular e diversão sem cobrar entrada, diferente de como fizeram no museu; por que alguém reclamaria?

Há na Faculdade de Filosofia (FFLCH) um debate antigo sobre os espaços da Universidade. Diversos alunos, grupos, movimentos, partidos já vem de pronto com a questão "espaços estudantis". Antes de qualquer coisa não sou contra o termo, acredito que é justo, inclusive. Contudo o termo deveria conter a conseqüência de um debate de "espaços", privado e público, seguido de um sobre a utilização de um espaço público como espaço estudantil, característica do devido espaço, do espaço em questão, da dobra predial dentro do espaço público da FFLCH e antes ainda, da USP.

Como o debate se dá diante da questão "espaço público", devemos pensar o que é tal espaço dentro do Estado que vivemos, como funciona sua regulamentação, quem detém seus direitos e assim por diante. Poderemos considerar um debate crítico que sem dúvidas nos levará ao Direito e por isso acredito necessário um debate multidisciplinar, não por sermos incapazes de pensar o Direito dos espaços, mas pelo fato do debate nos levar a questões mais gerais, conseqüentemente fugindo do simples apelo de uso do "espaço estudantil" da FFLCH. Há regras de um jogo aberto, nada melhor que conhecer essas regras, não obstante se não funcionarem, o caminho é a subversão, pois também existe o direito de rebelião quando esgotados os canais de comunicação tangíveis.

A produção da espacialidade da sociedade urbana não pode ser entendida apenas no sentido econômico, mas também pelo seu conteúdo como uma produção social, política e cultural.

(a concluir)

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